Sinopse: Quentin Coldwater é um gênio
precoce às vésperas de entrar na faculdade. Ele acreditava que a magia não
existisse até ser convocado para um estranho, difícil e cansativo exame de
admissão. Agora, admitido na misteriosa Brakebills, ele vai iniciar um extenso
e rigoroso estudo da feitiçaria e descobrir os princípios boêmios da vida
universitária: amizades, amores, sexo e álcool.
Qualificação: Ótimo!!
Resenha: O mais realista livro de
fantasia que já li até aqui, o que é no mínimo bastante contraditório. Não sei
como dizer de outra forma e também não sei se isso consegue transmitir com
exatidão o que vai pela minha mente, mas está no caminho. É perturbador, é difícil
de refutar e no fim, de um jeito nada convencional, conseguiu mexer comigo, me
deixar desconfortável e encantada ao mesmo tempo.
Minha mente
traçou um paralelo entre a leitura e a aventura do personagem. Leitura
ficcional nos afasta da realidade e faz viver uma aventura confortável, sem
riscos, pontual, da qual saímos depois de volta ao cotidiano para lidar com a
rotina, as vitórias e as perdas, sem espaço para ilusões. Quentin encontra uma
brecha para o desconhecido e fantástico, mas não percebe que a mescla entre o
sonho e a realidade envolve consequências reais e faz com que a ilusão deixe de
ser perfeita.
O livro é uma
jornada para o despertar. Parte de um mundo pragmático e vai se aprofundando cada
vez mais na esfera da fantasia para mostrar que existem buscas que precisam ser
feitas dentro de nós e não existem circunstâncias capazes de nos proporcionar
determinadas sensações. Pensei em escrever uma porção de coisas sobre o livro e
tantas passagens, mas percebi que não retratariam com fidelidade a essência da
obra, assim, vou me ater apenas no centro nervoso.
Quentin é um
jovem infeliz que está em busca de alguma coisa indefinida que lhe dê sentido e
felicidade. Ele é uma espécie de nerd
gênio super competitivo e nada sociável que possui um vazio inexplicável dentro
do peito. A vida escolar não representa um desafio à altura de sua capacidade intelectual
e a emocional está meio anestesiada à sombra de um amor platônico e um amigo
perfeito.
Aos dezessete
anos, já passou da idade de acreditar em contos de fadas, mas o seu maior e
mais inconfessável desejo é encontrar uma passagem para Fillory, o mundo
encantado de seus livros favoritos desde tenra idade. Assim, diante de um sonho
impossível, ele vive insatisfeito, mesmo quando sua vida assume contornos cada
vez mais próximos daquilo que ele sempre quis.
É difícil
ignorar a brutalidade da coisa toda. Quentin tem expectativas fantasiosas sobre
magia e as aventuras surreais que evocaria, como qualquer leitor do gênero (me
incluo nesse bolo). Por mais que exista uma voz meio chata lá no fundo de nossa
mente questionando o absurdo de determinados acontecimentos, costumamos calar
esta voz e mergulhar na diversão pura e simples... mas não aqui. O personagem
pensa e verbaliza muitas dessas coisas que temos escondido no subconsciente a
cada leitura, expondo o leitor a um desconforto e identificação incômodos. O
mais estranho foi que isso tornou o livro muito mais interessante de ler.
Deixei a voz e a mente darem vazão a seus questionamentos desta vez e tive
minha cota de alívio, mas certamente a guardarei novamente ainda mais fundo
logo que possível (volume dois à vista!).
A vida
cotidiana não pode ser completamente dissociada da fantástica e segue
produzindo seus efeitos na vida de Quentin. Ele passa a conviver com pessoas
dotadas de grande capacidade e precisa dar duro para acompanhar as atividades.
O deslumbramento rapidamente é engolido pela rotina exaustiva e as circunstâncias
o conectam com as pessoas mudando toda a sua maneira de se relacionar. Quando a
realidade se apresenta diferente do esperado, ele fica chocado, confuso,
perdido, mesmo quando está feliz não consegue realmente aproveitar, preso ao
medo de perder, ao pensamento de que é bom demais para ser verdade.
Não
experimentei aquele prazer puro, simples e inenarrável de tantos outros livros,
pois a proposta não é exatamente esta. No entanto, vivenciei um drama profundo,
impactante, e me espantei com a crueza e verdade de algumas passagens.
SPOILERS!!!
“Pare de ficar procurando a próxima porta mágica que vai te levar para sua vida de verdade... ou vai continuar sendo infeliz esteja onde estiver, pelo resto de sua vida.”
É difícil explicar
com exatidão, mas fiquei com a sensação de que Quentin viveu quase tudo como um
observador externo de si mesmo. A dificuldade de perceber as coisas à sua volta
e identificar os sentimentos que vivenciava, além da eterna espera que algo
acontecesse e desse start na sua verdadeira vida, talvez expliquem como,
mesmo vivendo tanta coisa, tudo parecesse uma espécie de transe, sonho ou
pesadelo e, somente próximo ao final a consciência de si mesmo o atingisse e
ele pudesse ser livre para viver. Espero que este novo estado transforme
positivamente o personagem para a nova aventura, no próximo volume.
O jovem não
sabe o que deseja da vida e vai adiando qualquer decisão mais impactante,
exceto sua permanência na faculdade e o estudo da magia. Não passamos por isso
às vezes? A espera dele foi recompensada, mas serviu apenas para provar que
aquilo que ele buscava não estava na fantasia, que havia coisas mais importantes
às quais ele não dava valor, mas que ele já possuía. Não foi à toa que o
momento mais esperado de sua vida, a chegada a Fillory, fosse eclipsada pelo
seu infortúnio pessoal. Da mesma maneira, muitas vezes lutamos tanto por algo e
tudo que sentimos ao alcançá-lo é um vazio ainda maior, pois não tinha a
importância que julgávamos ter e no processo deixamos de lado aquilo que nos
deixaria realmente felizes.
Brakebills é
uma experiência incrível, mas nem sempre no sentido esperado. É o retrato de
uma época de descobertas e podemos traçar um paralelo com nossa própria vida
acadêmica. Muita teoria e pouca prática
culminando num pânico do despreparo profissional. Tem coisas que somente a vida
é capaz de ensinar e aperfeiçoar. Por outro lado, a necessidade leva o jovem a
se relacionar, fazer amizades, beber e se apaixonar.
Uma
brincadeira tola em sala de aula resulta na morte de uma colega, um trauma
irreversível para o professor, entre outras coisas. Como conviver com tamanha
culpa? É preciso seguir em frente entendendo que nossas escolhas causam
impactos irreversíveis que não podem ser tratados levianamente, mas as marcas
permanecem. Os amigos não culpam Quentin pelos erros, mas ninguém sabe toda a
verdade e ele não é capaz de falar a respeito.
Uma das
passagens mais impressionantes foi a primeira experiência sexual de Quentin e
Alice. O sexo animal, um instinto básico e natural para a raposa é tão
perfeitamente descrito! É tão lógico que a transformação em animal acentue
determinadas características que nem dá para não aceitar o acontecimento. Em
todas aquelas passagens do tipo, como o “Quá” do ganso, os alunos passaram por uma
etapa de conhecimento realmente intrigante e foi durante elas que me dei conta
de quão abominável poderia ser transformar alguém em animal, coisa que a gente
sempre vê desde pequeno nos contos por aí afora.
A passagem pela faculdade é extensa e um pouco cansativa, mas atinge o objetivo de nos tornar um pouco céticos e controversamente expectantes quanto a Fillory. Quando esta descoberta chega, já tão adiante no livro, somos tomados por uma alegria besta, somos levados a crer que tudo vai mudar, exatamente como Quentin, justamente para perceber que não é bem assim.
É engraçado e
perfeitamente natural como eles se sentem esquisitos chegando numa terra
estranha, sem saber o que fazer, em quem confiar e como parece ridículo
interagir e esperar uma missão como crédulas e inocentes criancinhas. O choque
diante da luta e derramamento de sangue e a dúvida sobre a necessidade de se
envolver e correr riscos são questionamentos válidos, refutados por uma birra
infantil, mas com consequências reais. Ninguém vai voltar à vida, mesmo que
você capture o cervo dos três desejos, e certas esperanças são vãs.
“Viver fantasias infantis na idade adulta
era um convite ao desastre”
É como se o
próprio autor fosse aficionado no mundo criado por Plover e destilasse sua
amargura adulta na obra depois de não encontrar a própria passagem para
Fillory. Foi muito chocante descobrir que o Martin é a Criatura, os carneiros
morreram e a vilã Relojoeira, na verdade é Jane, a mocinha da história.
Subverte a ordem da coisa, é adulto, perverso, é a alternativa de uma criança
que fugia de seu molestador, outra revelação chocante de alguém que era o
portador da novidade, o escritor da lenda, famoso e invejado por tantos.
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