terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Série Os Magos – Os Magos – Lev Grossman

Sinopse: Quentin Coldwater é um gênio precoce às vésperas de entrar na faculdade. Ele acreditava que a magia não existisse até ser convocado para um estranho, difícil e cansativo exame de admissão. Agora, admitido na misteriosa Brakebills, ele vai iniciar um extenso e rigoroso estudo da feitiçaria e descobrir os princípios boêmios da vida universitária: amizades, amores, sexo e álcool.

Qualificação: Ótimo!!

Resenha: O mais realista livro de fantasia que já li até aqui, o que é no mínimo bastante contraditório. Não sei como dizer de outra forma e também não sei se isso consegue transmitir com exatidão o que vai pela minha mente, mas está no caminho. É perturbador, é difícil de refutar e no fim, de um jeito nada convencional, conseguiu mexer comigo, me deixar desconfortável e encantada ao mesmo tempo.

Minha mente traçou um paralelo entre a leitura e a aventura do personagem. Leitura ficcional nos afasta da realidade e faz viver uma aventura confortável, sem riscos, pontual, da qual saímos depois de volta ao cotidiano para lidar com a rotina, as vitórias e as perdas, sem espaço para ilusões. Quentin encontra uma brecha para o desconhecido e fantástico, mas não percebe que a mescla entre o sonho e a realidade envolve consequências reais e faz com que a ilusão deixe de ser perfeita.

O livro é uma jornada para o despertar. Parte de um mundo pragmático e vai se aprofundando cada vez mais na esfera da fantasia para mostrar que existem buscas que precisam ser feitas dentro de nós e não existem circunstâncias capazes de nos proporcionar determinadas sensações. Pensei em escrever uma porção de coisas sobre o livro e tantas passagens, mas percebi que não retratariam com fidelidade a essência da obra, assim, vou me ater apenas no centro nervoso.

Quentin é um jovem infeliz que está em busca de alguma coisa indefinida que lhe dê sentido e felicidade. Ele é uma espécie de nerd gênio super competitivo e nada sociável que possui um vazio inexplicável dentro do peito. A vida escolar não representa um desafio à altura de sua capacidade intelectual e a emocional está meio anestesiada à sombra de um amor platônico e um amigo perfeito.

Aos dezessete anos, já passou da idade de acreditar em contos de fadas, mas o seu maior e mais inconfessável desejo é encontrar uma passagem para Fillory, o mundo encantado de seus livros favoritos desde tenra idade. Assim, diante de um sonho impossível, ele vive insatisfeito, mesmo quando sua vida assume contornos cada vez mais próximos daquilo que ele sempre quis.

É difícil ignorar a brutalidade da coisa toda. Quentin tem expectativas fantasiosas sobre magia e as aventuras surreais que evocaria, como qualquer leitor do gênero (me incluo nesse bolo). Por mais que exista uma voz meio chata lá no fundo de nossa mente questionando o absurdo de determinados acontecimentos, costumamos calar esta voz e mergulhar na diversão pura e simples... mas não aqui. O personagem pensa e verbaliza muitas dessas coisas que temos escondido no subconsciente a cada leitura, expondo o leitor a um desconforto e identificação incômodos. O mais estranho foi que isso tornou o livro muito mais interessante de ler. Deixei a voz e a mente darem vazão a seus questionamentos desta vez e tive minha cota de alívio, mas certamente a guardarei novamente ainda mais fundo logo que possível (volume dois à vista!).

A vida cotidiana não pode ser completamente dissociada da fantástica e segue produzindo seus efeitos na vida de Quentin. Ele passa a conviver com pessoas dotadas de grande capacidade e precisa dar duro para acompanhar as atividades. O deslumbramento rapidamente é engolido pela rotina exaustiva e as circunstâncias o conectam com as pessoas mudando toda a sua maneira de se relacionar. Quando a realidade se apresenta diferente do esperado, ele fica chocado, confuso, perdido, mesmo quando está feliz não consegue realmente aproveitar, preso ao medo de perder, ao pensamento de que é bom demais para ser verdade.

Não experimentei aquele prazer puro, simples e inenarrável de tantos outros livros, pois a proposta não é exatamente esta. No entanto, vivenciei um drama profundo, impactante, e me espantei com a crueza e verdade de algumas passagens.

SPOILERS!!!         

Pare de ficar procurando a próxima porta mágica que vai te levar para sua vida de verdade... ou vai continuar sendo infeliz esteja onde estiver, pelo resto de sua vida.”

É difícil explicar com exatidão, mas fiquei com a sensação de que Quentin viveu quase tudo como um observador externo de si mesmo. A dificuldade de perceber as coisas à sua volta e identificar os sentimentos que vivenciava, além da eterna espera que algo acontecesse e desse start na sua verdadeira vida, talvez expliquem como, mesmo vivendo tanta coisa, tudo parecesse uma espécie de transe, sonho ou pesadelo e, somente próximo ao final a consciência de si mesmo o atingisse e ele pudesse ser livre para viver. Espero que este novo estado transforme positivamente o personagem para a nova aventura, no próximo volume.

O jovem não sabe o que deseja da vida e vai adiando qualquer decisão mais impactante, exceto sua permanência na faculdade e o estudo da magia. Não passamos por isso às vezes? A espera dele foi recompensada, mas serviu apenas para provar que aquilo que ele buscava não estava na fantasia, que havia coisas mais importantes às quais ele não dava valor, mas que ele já possuía. Não foi à toa que o momento mais esperado de sua vida, a chegada a Fillory, fosse eclipsada pelo seu infortúnio pessoal. Da mesma maneira, muitas vezes lutamos tanto por algo e tudo que sentimos ao alcançá-lo é um vazio ainda maior, pois não tinha a importância que julgávamos ter e no processo deixamos de lado aquilo que nos deixaria realmente felizes.

Brakebills é uma experiência incrível, mas nem sempre no sentido esperado. É o retrato de uma época de descobertas e podemos traçar um paralelo com nossa própria vida acadêmica.  Muita teoria e pouca prática culminando num pânico do despreparo profissional. Tem coisas que somente a vida é capaz de ensinar e aperfeiçoar. Por outro lado, a necessidade leva o jovem a se relacionar, fazer amizades, beber e se apaixonar.

Uma brincadeira tola em sala de aula resulta na morte de uma colega, um trauma irreversível para o professor, entre outras coisas. Como conviver com tamanha culpa? É preciso seguir em frente entendendo que nossas escolhas causam impactos irreversíveis que não podem ser tratados levianamente, mas as marcas permanecem. Os amigos não culpam Quentin pelos erros, mas ninguém sabe toda a verdade e ele não é capaz de falar a respeito.

Uma das passagens mais impressionantes foi a primeira experiência sexual de Quentin e Alice. O sexo animal, um instinto básico e natural para a raposa é tão perfeitamente descrito! É tão lógico que a transformação em animal acentue determinadas características que nem dá para não aceitar o acontecimento. Em todas aquelas passagens do tipo, como o “Quá” do ganso, os alunos passaram por uma etapa de conhecimento realmente intrigante e foi durante elas que me dei conta de quão abominável poderia ser transformar alguém em animal, coisa que a gente sempre vê desde pequeno nos contos por aí afora.

A passagem pela faculdade é extensa e um pouco cansativa, mas atinge o objetivo de nos tornar um pouco céticos e controversamente expectantes quanto a Fillory. Quando esta descoberta chega, já tão adiante no livro, somos tomados por uma alegria besta, somos levados a crer que tudo vai mudar, exatamente como Quentin, justamente para perceber que não é bem assim.

É engraçado e perfeitamente natural como eles se sentem esquisitos chegando numa terra estranha, sem saber o que fazer, em quem confiar e como parece ridículo interagir e esperar uma missão como crédulas e inocentes criancinhas. O choque diante da luta e derramamento de sangue e a dúvida sobre a necessidade de se envolver e correr riscos são questionamentos válidos, refutados por uma birra infantil, mas com consequências reais. Ninguém vai voltar à vida, mesmo que você capture o cervo dos três desejos, e certas esperanças são vãs.

“Viver fantasias infantis na idade adulta era um convite ao desastre”

É como se o próprio autor fosse aficionado no mundo criado por Plover e destilasse sua amargura adulta na obra depois de não encontrar a própria passagem para Fillory. Foi muito chocante descobrir que o Martin é a Criatura, os carneiros morreram e a vilã Relojoeira, na verdade é Jane, a mocinha da história. Subverte a ordem da coisa, é adulto, perverso, é a alternativa de uma criança que fugia de seu molestador, outra revelação chocante de alguém que era o portador da novidade, o escritor da lenda, famoso e invejado por tantos.

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