domingo, 11 de janeiro de 2015

A Saga das Ilhas Brilhantes 01 - O Filho de Thor – Juliet Marillier

Sinopse: Eyvind sempre desejou ser um guerreiro viking, enquanto seu amigo Somerled tem outros planos para o futuro. Eles seguem caminhos distintos até que o destino resolve reuni-los em misteriosas circunstâncias.

Qualificação: Ótimo!!

Resenha: Lindo!! Um livro de grande sensibilidade capaz de enriquecer e emocionar o leitor nos conhecimentos e aventuras da cultura nórdica. Tudo bem que só associava os dois a Thor e Loki enquanto lia (creio que não por acaso), mas nem pense que isso possa ter minimizado ou desfavorecido o livro.

Uma construção primorosa! Devagar e criteriosamente, a gente vai conhecendo os personagens, o ambiente em que vivem e suas motivações. Mais do que isso, é possível criar empatia e compreender cada passo da jornada com perfeição!

A mitologia nórdica se descortina gradativamente, apresentando os aspectos da vida, a forma de ver o mundo, a fé e os anseios de um povo. Confesso que existe um estranhamento da minha parte para com esse povo que enxergava a pilhagem como forma legítima de vida. Entendo que seu habitat natural é desprovido de muitas oportunidades, mas é difícil para mim aceitar o fato de que roubar e matar como forma de vida seja desejável, mesmo louvável perante aquela sociedade... (pensando bem, talvez de forma adversa o mundo atualmente siga esta linha de raciocínio...).

Tanta crueldade disfarçada de bravura contra outros povos vira farelo quando se trata deles mesmos. Que ninguém ouse confrontá-los, muito menos um de seus próprios membros. Existe uma lealdade interna que não pode ser abalada. E a questão da lealdade é justamente aquela que foi abordada, trazendo o assunto ao delicado laço de irmandade forjado em sangue e cumplicidade.

As circunstâncias fazem de Eyvind e Somerled irmãos de sangue, dispostos a tudo um pelo outro. Embora Somerled tenha planejado desde o início se utilizar deste relacionamento para atingir seus objetivos, Eyvind não entende totalmente o grau de compromisso que envolve a relação até ter que lidar com situações conflituosas ou reprováveis tendo seu irmão jurado como suspeito. Até onde permanecer fiel a um juramento?

SPOILERS!!!

Nenhum laço pode transcender um juramento de sangue entre dois homens, salvo um outro feito ao próprio Deus”.

É difícil aceitar, mas possível compreender Eyvind em sua devoção e cultura. Um viking com sede de batalha e riquezas, que adora um deus da guerra e nele justifica seus atos. Alguém que nunca foi confrontado com uma perspectiva diferente, nunca sentiu a necessidade de questionar suas ações, pois enxergava a bondade em si mesmo e no seu relacionamento com o seu povo. Uma pessoa essencialmente simples, que em sua ignorância é crédula, é usada.

Existe um ponto em que a consciência, o caráter do personagem se sobrepõe à obediência cega. O coração inquieto procura por respostas e já não é possível agir sem reflexão. A compreensão das atrocidades finalmente acomete Eyvind dotando-o de algo que ele não sabia ter dispensado: livre arbítrio. Escolher algo que vai de encontro a tudo que ele sempre acreditou, lutar por aquilo em que acredita independente de quem esteja ao seu lado.

Somerled é tão bem construído que fica difícil não torcer por ele, não tentar justifica-lo. Me peguei fazendo isso até mesmo tentando escrever a resenha!!! A certa altura percebi que não dava para mascarar a realidade da coisa, o garoto tem no mínimo uma veia psicopata! Considero um grande mérito da autora incutir tanta simpatia por um personagem com atitudes tão perversas. Acima de tudo o personagem tem complexidade, substância, extrapola a possibilidade de ser simplesmente rotulado como bom ou mal. Até o fim somos nutridos com a esperança de Eyvind por um Somerled melhor.

Sua inteligência lhe permite entender os jogos da política e o uso das massas, mas também é o fator que nos leva a questionar a maldade em suas atitudes. É possível fazer prova sem usar violência e coerção, mas o caminho escolhido por Somerled também é reflexo da cultura de seu povo. Um garoto franzino, tímido, mas com inteligência para usar os mais fracos ou manipular os mais simplórios em seu favor. Um exercício indireto da força para obter o poder. Sinto que Somerled ainda tem muito a apresentar e fico na expectativa sobre sua jornada futura.

Amei a construção do relacionamento entre os dois. É possível entender perfeitamente aquilo que eles são e sentem durante toda a narrativa, bem como acompanhar o amadurecimento e as mudanças que transformam suas vidas. A cumplicidade que vai se formando, as suspeitas, a incredulidade são elementos que vivenciamos junto com eles. Aprecio muito quando um autor consegue transmitir as emoções sem colocar em termos, sem o uso direto de adjetivo. Ao invés de dizer que a cumplicidade se formou, vamos acompanhando os fatos e nos tornando cumplices junto. O livro faz isso todo o tempo! É um banquete aos sentidos!

O colonizador enxergando sob a ótica do colonizado. O encontro de Eyvind com Nessa trás as respostas para suas inquietações. O convívio entre os vikings e os ilhéus no principio da colonização permitiu que os colonizadores vissem os outros como indivíduos ao invés de inimigos sem rostos, permitiu a percepção de afinidades e o desenvolvimento da intimidade. Foi o primeiro passo para Eyvind sentir estranheza ao atacar os nativos sem justa causa. Ele não sabia explicar, mas a semente estava lá e é sua jornada com Nessa que permite a compreensão.

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