Sinopse: Eyvind sempre desejou ser um
guerreiro viking, enquanto seu amigo Somerled tem outros planos para o futuro.
Eles seguem caminhos distintos até que o destino resolve reuni-los em
misteriosas circunstâncias.
Qualificação: Ótimo!!
Resenha: Lindo!! Um livro de grande
sensibilidade capaz de enriquecer e emocionar o leitor nos conhecimentos e
aventuras da cultura nórdica. Tudo bem que só associava os dois a Thor e Loki
enquanto lia (creio que não por acaso), mas nem pense que isso possa ter
minimizado ou desfavorecido o livro.
Uma construção
primorosa! Devagar e criteriosamente, a gente vai conhecendo os personagens, o
ambiente em que vivem e suas motivações. Mais do que isso, é possível criar
empatia e compreender cada passo da jornada com perfeição!
A mitologia
nórdica se descortina gradativamente, apresentando os aspectos da vida, a forma
de ver o mundo, a fé e os anseios de um povo. Confesso que existe um
estranhamento da minha parte para com esse povo que enxergava a pilhagem como
forma legítima de vida. Entendo que seu habitat natural é desprovido de muitas
oportunidades, mas é difícil para mim aceitar o fato de que roubar e matar como
forma de vida seja desejável, mesmo louvável perante aquela sociedade...
(pensando bem, talvez de forma adversa o mundo atualmente siga esta linha de
raciocínio...).
Tanta
crueldade disfarçada de bravura contra outros povos vira farelo quando se trata
deles mesmos. Que ninguém ouse confrontá-los, muito menos um de seus próprios membros.
Existe uma lealdade interna que não pode ser abalada. E a questão da lealdade é
justamente aquela que foi abordada, trazendo o assunto ao delicado laço de
irmandade forjado em sangue e cumplicidade.
As
circunstâncias fazem de Eyvind e Somerled irmãos de sangue, dispostos a tudo um
pelo outro. Embora Somerled tenha planejado desde o início se utilizar deste
relacionamento para atingir seus objetivos, Eyvind não entende totalmente o
grau de compromisso que envolve a relação até ter que lidar com situações conflituosas
ou reprováveis tendo seu irmão jurado como suspeito. Até onde permanecer fiel a
um juramento?
SPOILERS!!!
“Nenhum laço pode
transcender um juramento de sangue entre dois homens, salvo um outro feito ao
próprio Deus”.
É difícil
aceitar, mas possível compreender Eyvind em sua devoção e cultura. Um viking
com sede de batalha e riquezas, que adora um deus da guerra e nele justifica
seus atos. Alguém que nunca foi confrontado com uma perspectiva diferente,
nunca sentiu a necessidade de questionar suas ações, pois enxergava a bondade
em si mesmo e no seu relacionamento com o seu povo. Uma pessoa essencialmente
simples, que em sua ignorância é crédula, é usada.
Existe um
ponto em que a consciência, o caráter do personagem se sobrepõe à obediência
cega. O coração inquieto procura por respostas e já não é possível agir sem
reflexão. A compreensão das atrocidades finalmente acomete Eyvind dotando-o de
algo que ele não sabia ter dispensado: livre arbítrio. Escolher algo que vai de
encontro a tudo que ele sempre acreditou, lutar por aquilo em que acredita
independente de quem esteja ao seu lado.
Somerled é tão
bem construído que fica difícil não torcer por ele, não tentar justifica-lo. Me
peguei fazendo isso até mesmo tentando escrever a resenha!!! A certa altura
percebi que não dava para mascarar a realidade da coisa, o garoto tem no mínimo
uma veia psicopata! Considero um grande mérito da autora incutir tanta simpatia
por um personagem com atitudes tão perversas. Acima de tudo o personagem tem
complexidade, substância, extrapola a possibilidade de ser simplesmente
rotulado como bom ou mal. Até o fim somos nutridos com a esperança de Eyvind
por um Somerled melhor.
Sua
inteligência lhe permite entender os jogos da política e o uso das massas, mas
também é o fator que nos leva a questionar a maldade em suas atitudes. É
possível fazer prova sem usar violência e coerção, mas o caminho escolhido por
Somerled também é reflexo da cultura de seu povo. Um garoto franzino, tímido,
mas com inteligência para usar os mais fracos ou manipular os mais simplórios em
seu favor. Um exercício indireto da força para obter o poder. Sinto que
Somerled ainda tem muito a apresentar e fico na expectativa sobre sua jornada
futura.
Amei a
construção do relacionamento entre os dois. É possível entender perfeitamente
aquilo que eles são e sentem durante toda a narrativa, bem como acompanhar o
amadurecimento e as mudanças que transformam suas vidas. A cumplicidade que vai
se formando, as suspeitas, a incredulidade são elementos que vivenciamos junto
com eles. Aprecio muito quando um autor consegue transmitir as emoções sem
colocar em termos, sem o uso direto de adjetivo. Ao invés de dizer que a
cumplicidade se formou, vamos acompanhando os fatos e nos tornando cumplices
junto. O livro faz isso todo o tempo! É um banquete aos sentidos!
O colonizador enxergando
sob a ótica do colonizado. O encontro de Eyvind com Nessa trás as respostas
para suas inquietações. O convívio entre os vikings e os ilhéus no principio da
colonização permitiu que os colonizadores vissem os outros como indivíduos ao
invés de inimigos sem rostos, permitiu a percepção de afinidades e o
desenvolvimento da intimidade. Foi o primeiro passo para Eyvind sentir
estranheza ao atacar os nativos sem justa causa. Ele não sabia explicar, mas a
semente estava lá e é sua jornada com Nessa que permite a compreensão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário