Sinopse: Richard Mayhew vive em
Londres, tem um bom emprego (só um pouco chato) e vai casar com a mulher ideal
(só um pouco assustadora). Uma noite ele decide socorrer uma jovem ferida na
rua e, depois disso, parece ter se tornado estranhamente invisível a todas as
outras pessoas. No entanto, no subterrâneo, entre canais de esgoto e estações
de metrô abandonadas, está a Londres-de-Baixo com sua população de monstros,
assassinos, párias e outras criaturas, o lugar de onde aquela jovem veio e a
única esperança de recuperar sua vida antes do incidente.
Qualificação: Ótimo!!
Resenha: Não sei quem viajou mais, se
eu ou o livro!
Uma das
melhores coisas desta obra é a capacidade de surpreender (pelo menos a mim!).
Sem ser absurdo, nem forçar a barra, ela é capaz de nos conduzir para algumas
deduções aparentemente óbvias somente para desconstruir tudo na sequência.
Consegue oferecer umas pistas falsas sem ofender nossa massa cinzenta, coisa
que amei!!
Demorei um
pouco a me ambientar, parecia que estava correndo meio sem objetivo, seguindo
um fluxo esquisito qualquer, mas em determinado momento tudo vai se encaixando,
fazendo todo sentido e encontrando seu cantinho na ordem das coisas.
Londres é o
palco escolhido para esta aventura fantástica, mas em qualquer grande metrópole
dois mundos coexistem independentes e invisíveis aos olhos do outro. No alto a
sociedade segue orgulhosa, competitiva, consumista e superficial. Nas calçadas,
ou abaixo delas, pessoas vivem à margem, sob suas próprias regras, invisíveis
aos olhos dos cidadãos passantes. Partindo deste olhar clínico sobre a cidade
amada, o autor nos leva numa incursão incomum, preparado para nos ver espernear
para sair, mas resoluto em promover uma jornada transformadora.
No entanto,
apesar desta característica generalista, o livro respira Londres, sua cultura,
seus costumes, seu apelo, seu território e é impossível imaginar que tudo possa
estar se desenvolvendo em qualquer outra parte do mundo. Expressões locais e
pequenos trocadilhos incrementam ainda mais a narrativa e me fazem amar ainda
mais a terra da rainha.
Quem nunca se
deixou levar pela vida, que atire a primeira pedra! Ok, isso foi meio que uma
parada viajante minha, mas Richard é aquele tipo de pessoa perfeitamente
enquadrada na sociedade, com uma carreira promissora, um relacionamento
satisfatório, que acredita estar conseguindo ser totalmente bem sucedido em
todos os aspectos de sua vida. Ele não tem motivos para reclamar, nem conhece
uma alternativa capaz de balançar suas concepções.
Sinto-me
obrigatoriamente solidária ao jovem. Minha vida não é perfeita, mas encontrou
certo equilíbrio que me permite pensar nela como satisfatória e um adjetivo
como acomodada pode até ser usado sem tanta disfunção. De fato, o livro tem
essa particularidade de tocar num ponto sensível e fazer com que a cadeira
fique um tanto desconfortável tornando nítidos os contornos de um mundo
invisível, habitado por pessoas famintas, maltrapilhas, sujas, por vezes
espalhafatosas e delirantes. Sim, é verdade, já não sou capaz de vê-los. Já fiz
minhas escolhas e endureci meu coração. Se, por ventura, entrar em rota de
colisão, sou capaz de correr feito louca contra a maré! MAS... ainda tenho
sentimentos, sou tocada, confrontada e fico infeliz com o dilema de transpor ou
não a barreira que nos separa, com o medo, a insegurança, o desconforto que me
impedem de mergulhar nesta estranha realidade paralela.
É um choque
ser destituído de toda sua vida por consequência de um único ato de
misericórdia. Neste ponto o medo inconsciente se concretiza e luta contra o
desejo consciente de embarcar numa narrativa dinâmica e extraordinária.
É meio
assustador perceber o quanto a vida de Richard é fácil de ser deletada. Antes
mesmo de passar para o plano existencial da Londres-de-Baixo, podemos notar o
quanto ele é socialmente descartável, substituível, esquecível, mais um na
multidão. Embora exista uma inquietação pouco explorada dentro dele, um anseio
indefinido, também existe uma aceitação, um compromisso com esta realidade e
aquilo que ela é capaz de oferecer.
O autor
transforma os indivíduos socialmente invisíveis em seres fantásticos,
extraordinários, com sua própria mitologia, estrutura e regras. Eles não se
preocupam com a Londres-de-Cima, pois sabem que são invisíveis e travam suas
próprias batalhas pela sobrevivência. Apesar de apreciar imensamente os
desafios e meandros da jornada, além da peculiaridade de seus excêntricos
personagens, me peguei com dificuldade de ver aquilo que não gosto de ver, a
saber, ratos, esgotos malcheirosos, cabelos ensebados, roupas encardidas e
remendadas. Percebi que isso me incomodava porque não se tratava de uma
condição passageira, um momento normal durante a ação, mas da maneira como tudo
sempre seria ali.
Entre as
diferentes versões de Londres, dois mundos distintos brigando pelo status de
realidade. Esta é a visão de Richard, que está de um lado e, no momento
seguinte (a contragosto!), adentra o outro. E é desta forma que o leitor
embarca na aventura em que o fantástico se mescla com os elementos do cotidiano
e a realidade parece menos concreta, menos definida. A Londres-de-Baixo é assustadora e repugnante para Richard-de-Cima (e para mim) porque era assim mesmo que tinha de ser.
Quando Richard
socorre Door, sem saber atravessa uma linha existencial que o retira de um
plano para outro. Tudo que ele deseja é poder voltar para o seu próprio mundo,
mas isso pode ser algo realmente impossível. Enquanto Door tenta descobrir quem
matou toda a sua família e ainda a persegue, bem como o porquê disso tudo,
Richard precisa lidar com os perigos e desafios constante daquele lugar
desconhecido.
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