sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Lugar Nenhum – Neil Gaiman

Sinopse: Richard Mayhew vive em Londres, tem um bom emprego (só um pouco chato) e vai casar com a mulher ideal (só um pouco assustadora). Uma noite ele decide socorrer uma jovem ferida na rua e, depois disso, parece ter se tornado estranhamente invisível a todas as outras pessoas. No entanto, no subterrâneo, entre canais de esgoto e estações de metrô abandonadas, está a Londres-de-Baixo com sua população de monstros, assassinos, párias e outras criaturas, o lugar de onde aquela jovem veio e a única esperança de recuperar sua vida antes do incidente.

Qualificação: Ótimo!!

Resenha: Não sei quem viajou mais, se eu ou o livro!

Uma das melhores coisas desta obra é a capacidade de surpreender (pelo menos a mim!). Sem ser absurdo, nem forçar a barra, ela é capaz de nos conduzir para algumas deduções aparentemente óbvias somente para desconstruir tudo na sequência. Consegue oferecer umas pistas falsas sem ofender nossa massa cinzenta, coisa que amei!!

Demorei um pouco a me ambientar, parecia que estava correndo meio sem objetivo, seguindo um fluxo esquisito qualquer, mas em determinado momento tudo vai se encaixando, fazendo todo sentido e encontrando seu cantinho na ordem das coisas.

Londres é o palco escolhido para esta aventura fantástica, mas em qualquer grande metrópole dois mundos coexistem independentes e invisíveis aos olhos do outro. No alto a sociedade segue orgulhosa, competitiva, consumista e superficial. Nas calçadas, ou abaixo delas, pessoas vivem à margem, sob suas próprias regras, invisíveis aos olhos dos cidadãos passantes. Partindo deste olhar clínico sobre a cidade amada, o autor nos leva numa incursão incomum, preparado para nos ver espernear para sair, mas resoluto em promover uma jornada transformadora.

No entanto, apesar desta característica generalista, o livro respira Londres, sua cultura, seus costumes, seu apelo, seu território e é impossível imaginar que tudo possa estar se desenvolvendo em qualquer outra parte do mundo. Expressões locais e pequenos trocadilhos incrementam ainda mais a narrativa e me fazem amar ainda mais a terra da rainha.

Quem nunca se deixou levar pela vida, que atire a primeira pedra! Ok, isso foi meio que uma parada viajante minha, mas Richard é aquele tipo de pessoa perfeitamente enquadrada na sociedade, com uma carreira promissora, um relacionamento satisfatório, que acredita estar conseguindo ser totalmente bem sucedido em todos os aspectos de sua vida. Ele não tem motivos para reclamar, nem conhece uma alternativa capaz de balançar suas concepções.

Sinto-me obrigatoriamente solidária ao jovem. Minha vida não é perfeita, mas encontrou certo equilíbrio que me permite pensar nela como satisfatória e um adjetivo como acomodada pode até ser usado sem tanta disfunção. De fato, o livro tem essa particularidade de tocar num ponto sensível e fazer com que a cadeira fique um tanto desconfortável tornando nítidos os contornos de um mundo invisível, habitado por pessoas famintas, maltrapilhas, sujas, por vezes espalhafatosas e delirantes. Sim, é verdade, já não sou capaz de vê-los. Já fiz minhas escolhas e endureci meu coração. Se, por ventura, entrar em rota de colisão, sou capaz de correr feito louca contra a maré! MAS... ainda tenho sentimentos, sou tocada, confrontada e fico infeliz com o dilema de transpor ou não a barreira que nos separa, com o medo, a insegurança, o desconforto que me impedem de mergulhar nesta estranha realidade paralela.

É um choque ser destituído de toda sua vida por consequência de um único ato de misericórdia. Neste ponto o medo inconsciente se concretiza e luta contra o desejo consciente de embarcar numa narrativa dinâmica e extraordinária.

É meio assustador perceber o quanto a vida de Richard é fácil de ser deletada. Antes mesmo de passar para o plano existencial da Londres-de-Baixo, podemos notar o quanto ele é socialmente descartável, substituível, esquecível, mais um na multidão. Embora exista uma inquietação pouco explorada dentro dele, um anseio indefinido, também existe uma aceitação, um compromisso com esta realidade e aquilo que ela é capaz de oferecer.

O autor transforma os indivíduos socialmente invisíveis em seres fantásticos, extraordinários, com sua própria mitologia, estrutura e regras. Eles não se preocupam com a Londres-de-Cima, pois sabem que são invisíveis e travam suas próprias batalhas pela sobrevivência. Apesar de apreciar imensamente os desafios e meandros da jornada, além da peculiaridade de seus excêntricos personagens, me peguei com dificuldade de ver aquilo que não gosto de ver, a saber, ratos, esgotos malcheirosos, cabelos ensebados, roupas encardidas e remendadas. Percebi que isso me incomodava porque não se tratava de uma condição passageira, um momento normal durante a ação, mas da maneira como tudo sempre seria ali. 

Entre as diferentes versões de Londres, dois mundos distintos brigando pelo status de realidade. Esta é a visão de Richard, que está de um lado e, no momento seguinte (a contragosto!), adentra o outro. E é desta forma que o leitor embarca na aventura em que o fantástico se mescla com os elementos do cotidiano e a realidade parece menos concreta, menos definida. A Londres-de-Baixo é assustadora e repugnante para Richard-de-Cima (e para mim) porque era assim mesmo que tinha de ser.

Quando Richard socorre Door, sem saber atravessa uma linha existencial que o retira de um plano para outro. Tudo que ele deseja é poder voltar para o seu próprio mundo, mas isso pode ser algo realmente impossível. Enquanto Door tenta descobrir quem matou toda a sua família e ainda a persegue, bem como o porquê disso tudo, Richard precisa lidar com os perigos e desafios constante daquele lugar desconhecido.


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