segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Living Dead Girl – Menina Morta Viva - Elizabeth Scott


Sinopse: Era uma vez, eu era uma menininha que desapareceu. Era uma vez, o meu nome não era Alice. Era uma vez, eu não sabia como tinha sorte. Quando Alice tinha dez anos, Ray levou-a de sua família, desde então ela sobrevive esperando que o pesadelo acabe.

Qualificação: Excelente!

Resenha: Forte, impactante, desesperador. Impossível parar de ler, sofrer, se emocionar, se indignar. Uma das histórias mais terríveis que já li e, com certeza, não é para todo mundo.

Um livro sobre a aparência das coisas e as coisas como elas são. Sobre o que vemos e o que queremos ver. Sobre submissão e psicopatia. Uma história mais comum do que se imagina, sob um ponto de vista nada usual.

Comecei a ler sem conhecer a sinopse e não me preparei de forma alguma para o impacto das informações. Senti um choque tão intenso, que só me ocorria pensar meio que numa forma de prece: “não pode ser, não pode ser, não pode ser...”

O livro é curto, cheio de frases e capítulos curtinhos, mas sua mensagem e escrita são tão bem conduzidas que não posso de maneira alguma dizer que a narrativa tenha trazido qualquer prejuízo, antes o contrário, deu ênfase à história. A construção não é linear, vai alternando presente e passado, trazendo elementos que se conectam e vão compondo o panorama maior, cada vez mais complexo e assustador.

O texto é de uma sensibilidade absurda. As questões que passam pela mente do leitor vão sendo respondidas gradativamente. Faz uso de repetições necessárias para nos lembrar que anos se passaram sob aquelas mesmas ameaças, até que já sabemos o final da frase e tudo nela implícito tão bem quanto a personagem.

A garota sem perspectiva vive um dia depois do outro. A garota objeto aprendeu a não desobedecer, nem esperar ajuda. A menina cresceu e se pergunta quando será descartada, quando deixará de ser morta-viva para ser apenas uma dessas coisas, qualquer uma, desde que seja inteira novamente.

A condição de mulher e de criança, duplamente frágil. O assunto não é novo, costuma encher os noticiários e seriados policiais, mas enquanto neles observamos de forma distante, como um caso, um número, um nome, aqui mergulhamos no cotidiano de tortura e abuso, nos pensamentos de desesperança, impotência e resignação. O que acontece é um pesadelo ganhando vida e contornos tão nítidos que passa a ser impossível ignorar.

A situação vista de dentro, nos faz entender sob perspectiva, que somos aquelas pessoas do lado de fora, que notam algo esquisito, percebem que vivem uma realidade diversa e tudo quanto fazem é olhar com desconfiança, desprezo, nojo. É possível estender um sanduiche ocasionalmente, mas nunca ouvir a verdade, nunca fazer a leitura correta. É no mínimo desconcertante perceber que fazemos parte do público que questiona “por que não disseram nada?”, teimando em jogar a culpa sobre os ombros das vítimas indefesas, quebradas, que ainda abaixam a cabeça e concordam em suportar mais esse fardo pelas agressões sofridas.

SPOILERS!!!!!!!!!

“Ninguém vai vê-la. Ninguém vai dizer nada. Ninguém vai te salvar.”

Ela sabe que não deveria ir com estranhos, mas não acontece como sempre disseram que seria. O contexto é perfeitamente aceitável e, no final, ela é somente uma garotinha perdida com seu novo gloss labial.

O cotidiano de Alice parece inconcebível. A revolta sobe pelo estômago, queima na garganta e a mente fica confusa tentando encontrar os elementos que levaram a história a esse ponto. Pouco a pouco ficamos convencidos, presos naquela armadilha maldita.

Enquanto Alice planeja capturar outra garota para ocupar o seu lugar, somos invadidos por um conflito excruciante. Como ela pode considerar entregar outra garotinha para aquele monstro? Como ela pode não se contaminar pela chama de esperança de ser substituída por outra garota? É egoísta e mesquinho, ela sabe disso, mas não pode resistir à promessa implícita.

A psicopatia de Ray é apresentada sob o olhar de Alice. Ninguém precisa dizer o que ele é, mas todas as nuances vão aparecendo até que o quadro seja evidente e completo. Você nem precisa constatar o fato reduzindo-o a um termo, pois você já foi além disso, na percepção dos distúrbios e contradições deste indivíduo tão perturbador. Pior do que isso, você consegue aceitar que ele é uma pessoa, entender suas motivações, sua história de vida, seus traumas e ideologias deturpados.

Ela vive o horror, flerta diariamente com a morte, mas se apavora quando tem a compreensão de que é chegado o momento em que será descartada, pior, não somente ela, mas toda sua família. Quando percebe que não tem mais qualquer possibilidade de viver, ela se rende e tenta evitar que a outra garotinha tenha o mesmo fim.

O medo reconhece o medo. A gente espera que a policial perceba e interfira naquele tormento, mas somente Jake consegue entender a súplica no olhar de Alice. Somente o medo que reconhece nela em reflexo de si mesmo o convence a tomar uma atitude real para salvar a garota.  Foi surpreendente e emocionante. Por mais que eu desejasse vida para Alice, seu caminho era de morte, sempre foi. A morte foi uma libertação que a vida não lhe daria. Chorei por ela e por todas que sofreram como ela, anônimas cujos erros foram de ser belas, inocentes e delicadas como uma flor.

Como evitar pensar que pode acontecer ao meu lado? Como não parar para olhar duas vezes aquela figura esquisita que perambula pela sua rua e parece um vizinho como outro qualquer? 


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