Sinopse: Eva,
mãe de um jovem assassino, escreve cartas ao marido ausente e, procurando os
porquês, reflete sobre a maldade, discute a ambivalência de certas mulheres
diante da maternidade e sua influência e responsabilidade na criação de um
pequeno monstro. Denuncia o que há de errado com culturas e sociedades
contemporâneas que produzem assassinos mirins em série.
Qualificação: Excelente!!!
Resenha: Booomm na minha cara!!!! Profundamente inquietante.
Não faz meu gênero
literário, mas não pude resistir à leitura desse livro. Mais do que isso, não
pude deixar de me envolver e admirar profundamente a capacidade da autora de
conduzir os fatos de forma tão coerente e racional em meio ao turbilhão
emocional e irracional que permeava as relações e acontecimentos narrados.
Sou mãe e me vi
mergulhar numa montanha russa de sensações e questionamentos que culminaram de
forma excepcional. Embarcar na leitura dessas cartas começou com um sentimento
de desconfiança, mesclado talvez com repugnância, e isso facilitou muito a
aceitação da personagem e seu conflito, pois ela retrata tudo com tamanha
sinceridade e de forma tão factível que eu pude aceitar as verdades contidas em
cada declaração - ficcional ou não - que me era apresentada.
A abordagem pura e
simples de temas tão delicados me prendeu na cadeira do começo ao fim e não
pude acreditar nos meus próprios sentimentos ao final do livro. Por mais que
Kevin fosse um enigma a ser desvendado, aquela mãe se revelou um outro enigma
que precisava ser desvendado por ela mesma e o foi de forma muito comovente.
SPOILERS!!!
“O segredo é que não há segredo.”
Ser mãe é assumir um
personagem caricato do qual a mulher não pode se desviar em nenhuma direção sem
causar um estremecimento nas estruturas sociais. Por isso, um dos primeiros
impactos da narrativa vem acompanhado de um sentimento inconcebível para uma
mãe: afirmar que odeia o filho. Filhos podem odiar os pais e o fazem
constantemente, especialmente em se tratando de adolescentes, mas o inverso não
é esperado, mesmo que esse filho seja um assassino.
A busca pela causa,
pelos porquês da tragédia, vai permeando o relato de Eva, que retrocede no
tempo buscando construir um quadro completo e verdadeiro que não tem espaço
para melindres ou disfarces, mas que se preocupa com todos os detalhes.
Nos deparamos com um
casal feliz, no qual uma mulher moderna e bem sucedida decide ter um filho para
quebrar a monotonia de uma vida perfeita. Ela não demora a se arrepender da
decisão, mas segue em frente com o plano e começa a acumular uma série de
ressentimentos pela criança que ainda não veio, mas que faz com que o seu amado
não a coloque mais em primeiro plano.
Kevin vem ao mundo
supostamente cheio de um ódio incontido e desinteresse pela vida. Cresce
revestido de uma máscara insondável, dissimulado, e aprende desde cedo a se
proteger de qualquer sentimento que possa torná-lo vulnerável. Tem uma mãe que
o culpa por tudo e um pai que o protege de tudo e de todos, inclusive da mãe,
que segue impotente numa guerra fria doméstica.
Eva segue tentando
juntar as peças do quebra-cabeça e do seu casamento. Ela deseja ser punida pela
tragédia e assume uma atitude auto-destrutiva, esmiuçando cada acontecimento
suspeito, em que desconfiou ou deveria ter desconfiado do filho, mesmo que
nunca tivesse provas concretas contra ele. Em algumas situações a dúvida
permanecia no ar, mas em outras ela estava convicta da culpa do Kevin e conseguia
transmitir essa convicção. No entanto, aquele episódio dos tijolos vem para nos
lembrar que toda a narrativa é do ponto de vista de Eva. Descobrir que não
havia sido idéia do Kevin nos alerta para a possibilidade de que Eva pode estar
errada em outras situações também. Mas como fazer essa diferença?
Apesar da rivalidade
entre mãe e filho, Eva é honesta com ele, conquistando o seu respeito e alguns
momentos realmente preciosos em que ela consegue ver e interagir com o
verdadeiro Kevin. A doença dele aos 10 anos é bastante reveladora, bem como o
dia em que passam juntos e ele consegue desfazer a imagem anti-americana que
Eva tem de si mesma. A cada situação dessas, vemos como ambos são parecidos.
Ela descreve um jovem inteligente, sarcástico, irônico que podemos ver na
mulher que gostava, por exemplo, de encontrar com os amigos para desdenhar dos
seus pais.
Toda essa reflexão
apresenta, através do seu cotidiano, situações que nos convencem de um caos
social nos EUA. Colegas com anorexia, casos de bullying, assédio sexual, pânico
nas escolas, mídia sensacionalista, vandalismo, obesidade e muitos outros. A
sociedade norte-americana que tem tudo e não sabe o que fazer com isso.
Em minha
adolescência, ouvia Renato Russo afirmar que “o maior segredo é não haver
mistério algum” e eu achava que sabia o que ele queria dizer até que li esse
livro e compreendi a verdadeira profundidade por trás dos versos. O vazio
imenso, a insatisfação com tudo, a esperança de encontrar um propósito não eram
apenas parte de Kevin, mas parte da mulher que vivia saindo do país em busca de
algo diferente, exótico, e que vivia criticando tudo ao seu redor sem nem mesmo
experimentar, vivendo uma ilusão sobre ser diferente quando na verdade era
muito mais comum do que imaginava.
Fiquei comovida com a
compreensão que se estabelece no final, quando Kevin finalmente deixa a máscara
cair e admite que não sabia o que estava fazendo e Eva, conseguindo penetrar no
filho inescrutável percebe que ao final de tudo realmente é capaz de o amar.
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