segunda-feira, 21 de maio de 2012

We Need to Talk About Kevin – Precisamos falar sobre o Kevin – Lionel Shriver

Sinopse: Eva, mãe de um jovem assassino, escreve cartas ao marido ausente e, procurando os porquês, reflete sobre a maldade, discute a ambivalência de certas mulheres diante da maternidade e sua influência e responsabilidade na criação de um pequeno monstro. Denuncia o que há de errado com culturas e sociedades contemporâneas que produzem assassinos mirins em série.

Qualificação: Excelente!!!

Resenha: Booomm na minha cara!!!! Profundamente inquietante.

Não faz meu gênero literário, mas não pude resistir à leitura desse livro. Mais do que isso, não pude deixar de me envolver e admirar profundamente a capacidade da autora de conduzir os fatos de forma tão coerente e racional em meio ao turbilhão emocional e irracional que permeava as relações e acontecimentos narrados.


Sou mãe e me vi mergulhar numa montanha russa de sensações e questionamentos que culminaram de forma excepcional. Embarcar na leitura dessas cartas começou com um sentimento de desconfiança, mesclado talvez com repugnância, e isso facilitou muito a aceitação da personagem e seu conflito, pois ela retrata tudo com tamanha sinceridade e de forma tão factível que eu pude aceitar as verdades contidas em cada declaração - ficcional ou não - que me era apresentada.

A abordagem pura e simples de temas tão delicados me prendeu na cadeira do começo ao fim e não pude acreditar nos meus próprios sentimentos ao final do livro. Por mais que Kevin fosse um enigma a ser desvendado, aquela mãe se revelou um outro enigma que precisava ser desvendado por ela mesma e o foi de forma muito comovente.

SPOILERS!!!

“O segredo é que não há segredo.”

Ser mãe é assumir um personagem caricato do qual a mulher não pode se desviar em nenhuma direção sem causar um estremecimento nas estruturas sociais. Por isso, um dos primeiros impactos da narrativa vem acompanhado de um sentimento inconcebível para uma mãe: afirmar que odeia o filho. Filhos podem odiar os pais e o fazem constantemente, especialmente em se tratando de adolescentes, mas o inverso não é esperado, mesmo que esse filho seja um assassino.

A busca pela causa, pelos porquês da tragédia, vai permeando o relato de Eva, que retrocede no tempo buscando construir um quadro completo e verdadeiro que não tem espaço para melindres ou disfarces, mas que se preocupa com todos os detalhes.

Nos deparamos com um casal feliz, no qual uma mulher moderna e bem sucedida decide ter um filho para quebrar a monotonia de uma vida perfeita. Ela não demora a se arrepender da decisão, mas segue em frente com o plano e começa a acumular uma série de ressentimentos pela criança que ainda não veio, mas que faz com que o seu amado não a coloque mais em primeiro plano.

Kevin vem ao mundo supostamente cheio de um ódio incontido e desinteresse pela vida. Cresce revestido de uma máscara insondável, dissimulado, e aprende desde cedo a se proteger de qualquer sentimento que possa torná-lo vulnerável. Tem uma mãe que o culpa por tudo e um pai que o protege de tudo e de todos, inclusive da mãe, que segue impotente numa guerra fria doméstica.

Eva segue tentando juntar as peças do quebra-cabeça e do seu casamento. Ela deseja ser punida pela tragédia e assume uma atitude auto-destrutiva, esmiuçando cada acontecimento suspeito, em que desconfiou ou deveria ter desconfiado do filho, mesmo que nunca tivesse provas concretas contra ele. Em algumas situações a dúvida permanecia no ar, mas em outras ela estava convicta da culpa do Kevin e conseguia transmitir essa convicção. No entanto, aquele episódio dos tijolos vem para nos lembrar que toda a narrativa é do ponto de vista de Eva. Descobrir que não havia sido idéia do Kevin nos alerta para a possibilidade de que Eva pode estar errada em outras situações também. Mas como fazer essa diferença?

Apesar da rivalidade entre mãe e filho, Eva é honesta com ele, conquistando o seu respeito e alguns momentos realmente preciosos em que ela consegue ver e interagir com o verdadeiro Kevin. A doença dele aos 10 anos é bastante reveladora, bem como o dia em que passam juntos e ele consegue desfazer a imagem anti-americana que Eva tem de si mesma. A cada situação dessas, vemos como ambos são parecidos. Ela descreve um jovem inteligente, sarcástico, irônico que podemos ver na mulher que gostava, por exemplo, de encontrar com os amigos para desdenhar dos seus pais.

Toda essa reflexão apresenta, através do seu cotidiano, situações que nos convencem de um caos social nos EUA. Colegas com anorexia, casos de bullying, assédio sexual, pânico nas escolas, mídia sensacionalista, vandalismo, obesidade e muitos outros. A sociedade norte-americana que tem tudo e não sabe o que fazer com isso.

Em minha adolescência, ouvia Renato Russo afirmar que “o maior segredo é não haver mistério algum” e eu achava que sabia o que ele queria dizer até que li esse livro e compreendi a verdadeira profundidade por trás dos versos. O vazio imenso, a insatisfação com tudo, a esperança de encontrar um propósito não eram apenas parte de Kevin, mas parte da mulher que vivia saindo do país em busca de algo diferente, exótico, e que vivia criticando tudo ao seu redor sem nem mesmo experimentar, vivendo uma ilusão sobre ser diferente quando na verdade era muito mais comum do que imaginava.

Fiquei comovida com a compreensão que se estabelece no final, quando Kevin finalmente deixa a máscara cair e admite que não sabia o que estava fazendo e Eva, conseguindo penetrar no filho inescrutável percebe que ao final de tudo realmente é capaz de o amar.

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